quarta-feira, novembro 08, 2006

Fletcher na 1ª Pessoa

Nós aqui somos mesmo famosos, já o tinha dito e repito. Tão famosos que até falamos com a malta das bandas punk - mas daquelas a sério! Aqui fica a entrevista com o Fletcher dos Pennywise, na sua versão integral. (E a foto... linda...linda...)


A última vez que cá estiveram tinha sido em 2001. Guardam boas memórias dos concertos anteriores em Portugal?

Sim, claro que sim. Foram concertos muito bons, com muito boa energia. Especialmente o da Deconstruction Tour, com os Sick of it All no mesmo cartaz. Esse foi excelente.

Os Pennywise são aquilo que podemos chamar uma banda de palco. Há sempre uma grande empatia entre a banda e o público durante os concertos. Qual é o segredo?

Bem, nós começámos a banda com o intuito de tocar ao vivo, nunca nos passou pela cabeça gravar um disco. Começámos por tocar em festas, nos quintais de amigos, e a ideia sempre foi passar um bom bocado, a dar concertos para te divertires e para divertires os outros. Os Pennywise são aquilo que vês nos concertos, e por isso é que é tão complicado conseguir captar a essência do nosso som numa gravação de estúdio. O segredo é conseguires fazer com que a audiência se sinta parte da banda. Não é cagar nas pessoas e dizer “nós somos os Pennywise, somos estrelas de rock, dêem cá o vosso dinheiro mas não se cheguem muito a nós”. Queremos que os nossos fãs se sintam parte dos Pennywise, de toda a energia que a banda gera, porque no fundo, se continuamos a tocar é para os nossos fãs. Claro que também gostamos de compor e de tocar música, mas sem os fãs não és nada. Por isso gostamos que eles participem, sempre a saberem que são parte essencial da banda. Tudo se resume a teres respeito pelas pessoas, a teres sempre a noção de que és um tipo igual ao que compra o bilhete para o teu concerto.

Existem grandes diferenças entre o público nos Estados Unidos e na Europa?

Acho que sim. Os americanos preocupam-se muito com a imagem que passam em público, a parecerem cool, a passarem a imagem de que são durões. Aqui na Europa as pessoas são mais abertas e têm uma mentalidade mais aberta a todas as diferenças que possam surgir. Cá podem haver concertos com dez bandas, todas de estilos diferentes, e vês que as pessoas aderem, toda a gente se diverte. Lá, se a seguir a uma banda de Ska toca uma banda de reggae, o público começa a atirar cenas e a vaia-los. Acho que na Europa as pessoas se tratam com mais respeito, aqui é tudo muito mais natural, mais descontraído. Não tenho ideia de ter visto uma única cena de luta em todos os concertos que dei na Europa, enquanto nos estados unidos há sempre umas três cenas de mocada por concerto. Nos EU as pessoas estão sempre mais tensas, parece que se divertem a lutar. Chegamos a interromper os concertos muitas vezes por causa da violência, já cheguei mesmo a largar a guitarra e ir para a confusão separar os meus amigos. Por vezes as coisas tomam proporções desmedidas, quase à escala de motim. E eu até simpatizo com motins, mas aqueles níveis de violência são uma estupidez.

O que achas daquelas chamadas bandas punk, que por trás de uma fachada, se comportam como divas, e que não se enquadram minimamente nos princípios do punk?

O que penso dessas bandas? Essas bandas não são punk. Conheço tipos de bandas desse rol que tratam os fãs abaixo de cão. Estão-se nas tintas para eles, chamam-lhes idiotas mas ficam-lhes com o dinheiro na mesma, sem problemas ou pesos na consciência. Se calhar não devia dizer o nome da banda, mas digo: são os blink-182. Há uns oito ou dez anos atrás, (na altura em que se dava muita importância ao pertencer ou não a uma editora independente – para mim ainda é importante, mas os miúdos de hoje estão-se a cagar se as bandas são de editoras independentes ou não) estava a falar com o Tom, numa fase em que eles iam assinar por uma major, (e nessa altura perdi muito tempo a tentar que a Epitaph os contratasse, mas a editora não gostava deles. Depois, quando os finalmente tinha convencido a Epitaph, surgiu a proposta da major) e disse-lhe “Vocês têm uma boa base de fãs, não achas que eles vão ficar chateados se vocês assinarem por uma major? O que vais dizer aos teus fãs se eles te chamarem vendido?”. E ele respondeu-me “digo-lhes: Olha a minha casa nova, olha para o meu carro novo. O que é que tu tens? Nada, por isso vai-te foder!”. E ele conseguiu todas essas coisas novas, e após aquele sucesso todo, perguntei-lhe “Então? Que tal é ser uma estrela de rock?”. O Tom disse “bem, resume-se a ter pitas de 12 anos a gritar o nome em todo o lado onde vá, ou a levar com ovos e a ser insultado sempre que saio de casa, por gajos que passam em carrinhas.”

E a ti, já te fizeram isso?

Podiam tentar, mas eu dava-lhes uma sova (risos). Não, agora a sério. Fizemos uma série de escolhas ao longo da nossa carreira sempre no sentido de não enveredar-mos por esse caminho. Nunca quisemos ser estrelas de rock, apesar de termos tido convites que nos dariam essa possibilidade. Quando ando na rua falo com qualquer pessoa que me aborde sem qualquer tipo de problema, e prefiro isso a ter pitas a berrar o meu nome por tudo o que é lado. Nunca quisemos estar a passar constantemente na rádio ou na televisão. Sempre quisemos o que temos agora, que é chegar a qualquer palco e ver que todos cantam as letras do primeiro ao último minuto do concerto, sem terem ouvido as músicas na MTV. Quando fazes música com alma e coração, e agradas os fãs, consegues construir uma carreira de 18 anos de sucesso. Os blink-182 conseguiram afastar os bons fãs que tinham, muito por causa da ganância do Tom e do Rick (manager da banda). O Mark e o Travis são uns tipos porreiros mas o Tom só pensa em dinheiro, e por isso agora a banda terminou. Claro que o Mark e o Travis também se fartaram de ganhar dinheiro, mas tiveram sempre uma atitude mais positiva acerca de tudo aquilo.

Com uma carreira de vários anos, é natural que as coisas não corram sempre bem. O que achas daquelas reuniões de bandas anos após terem acabado? Vês os Pennywise a fazer uma cena tipo Dead Kennedys, que se reagruparam com outro vocalista?

Isso é má onda. Ainda por cima, actualmente, esses tipos odeiam-se. Nos também nos chateamos uns com os outros, vamos enchendo, e há um dia em que alguém se farta e todos discutimos. È difícil, e já tivemos algumas vezes para acabar com tudo, já todos tivemos para sair da banda, mas soubemos sempre superar as fases más. E por vezes foi realmente complicado, porque temos todos personalidades muito fortes e muito diferentes. Funciona basicamente como um casamento, com dias melhores e outros piores. Mas actualmente estamos numa fase muito boa, damo-nos melhor agora do que há dez anos atrás, chegamos a um patamar que nos permite encarar os anos vindouros com uma perspectiva muito confortável. As pessoas precisam de comunicar mais. Tens que dizer aos teus amigos, a tua mulher, aos teus companheiros de banda o que te vai na alma, se achas que algo está mal, deves por as pessoas que gostas ao corrente daquilo que sentes. Não podes ficar calado e de braços cruzados, na esperança de que um dia acordes e esteja tudo bem. É claro que é difícil e complicado confrontar as pessoas, mas é a única maneira de resolver os problemas correctamente.

“The Fuse” é um álbum muito mais próximo de “Straight Ahead” do que do antecessor “From the Ashes”. Foi como dar um passo atrás para voltar ao bom caminho?

Sim, um pouco. Quer dizer, não pretendemos fazer outro “Full Circle” ou outro “Unknown Road”, e enquanto gravas um novo disco tens sempre esta noção presente, mas desta vez adoptamos uma postura mais old school na criação do álbum. Foi compor, chegar a estúdio e gravar, sem andarmos a perder meses com os arranjos das partes de guitarra ou a gravar as vozes. Foi naquela de “vamos lá fazer um álbum de punk rock, vamos fingir que estamos com um orçamento reduzido”. Porque quando gravamos o “Pennywise” foi assim – só tínhamos 5000 dólares disponíveis e tivemos que nos safar com essa verba. Mas sete álbuns depois, entramos numa fase de “Se calhar vamos fazer mais duas semanas de estúdio para limar arestas”, mas desta última vez não foi assim, foi tudo mais rápido e todos adoramos o resultado final. Gosto muito deste álbum, é claro que também gosto de todos os outros, mas este está muito bom, isto apesar de saber que muitos fãs preferem o “Pennywise” ou o primeiro álbum que ouviram, mas para um miúdo de 14 anos e que o primeiro álbum que compra é o “The Fuse”… acho que este álbum tem qualidade para se tornar no favorito dos fãs mais novos.

Depois do 11/09 a música “Fuck Authority” foi banida das televisões nos US e em diversas rádios. O que realmente se passou?

Essa canção foi escrita acerca da polícia de Los Angeles, da corrupção elevada que existe, das prisões de inocentes, das vendas de droga, das incriminações a pessoas honestas… até homicídios tenho quase a certeza que eles cometem. E não é isso que esperas da polícia, aliás, que se foda a polícia e qualquer forma de autoridade. Mas no 11/09 muitos polícias morreram a tentar salvar pessoas, e como consequência desse facto, a maioria das estações de rádio achou que não era muito correcto passar essa música. Depois ligaram-nos, a explicar o motivo pelo qual iam retirar a música das play-list, e todos concordamos com a decisão. A mensagem dessa música vai estar sempre lá, e na vida tem que haver um tempo e um espaço certo para tudo. Se és um fã, ou mesmo que não sejas, mas perdeste alguém que te era querido nas torres gémeas, sabendo que essa pessoa estava a tentar salvar vidas, “Fuck Authority” não era a canção que ias querer ouvir naquela altura. Não seria adequada, era como que uma falta de respeito. Não era a altura certa para aquela música, teria sido algo de muito mau gosto.

Para as bandas americanas que, tal como vocês, em muitas músicas passam uma mensagem anti-sistema, foi o pós-11/09 uma altura complicada? Sentiram pressão por parte das pessoas e de algumas entidades?

Muita, muita pressão mesmo. Foi uma altura muito complicada. Não acredito nos republicanos nem nos democratas, (voto sempre nos partidos independentes, naqueles que nunca ganham nada) pois esses dois partidos controlam o país através de lobbys e muita corrupção. Mantêm o país dividido, passam ao tempo a virar as pessoas umas contra as outras, a por as culpas do que está mal uns nos outros, e isso dá quase sempre confusão, até entre amigos. E lá as pessoas nem têm o hábito de discutir política, o que é muito estranho e é o oposto do que acontece aqui na Europa. Nos Estados Unidos tu não sabes quem pertence a um partido ou a outro, as pessoas fazem disso um grande segredo, como se fosse algo que têm que esconder. Para teres uma ideia, eu descobri muito recentemente que a minha mãe é republicana, e ela tem 70 anos! (risos) Isto quando a minha avó, mãe da minha mãe, foi uma grande figura dos democratas nos anos 70. E a minha mãe afinal odeia democratas, quando eu sempre julguei que ela era democrata.

Quando o presidente era o Clinton, nós dizíamos igualmente mal do governo, mas os concertos estavam sempre esgotados e os discos vendiam muito bem. E devido à política externa dos US, ás guerras constantes, e mais um sem número de coisas, é natural que algumas bandas ataquem o sistema, que ataquem o presidente. “God Save The USA” é 100% anti-Bush, os Pennywise são assumidamente anti-Bush, mas apoiam sempre os Estados Unidos. E algumas pessoas, que na fase pós-11/09 tinham que ser “muito patrióticas”, começaram a dizer que os Pennywise eram anti-america, que diziam mal do governo a torto e a direito, e que por isso toda a gente devia deixar de ouvir Pennywise – e foram espalhando isto por todo o lado que conseguiram. Nós apenas lhes chamamos estúpidos. Nós apoiamos o nosso país pondo o dedo na ferida, lembrando as pessoas que nem tudo está bem, e expondo essas coisas erradas, de modo a que as pessoas se mexam para melhorar o estado das coisas. Esses, os que nos apontaram o dedo, que passam o dia no sofá a encherem-se de hamburgers e a ver a emissão da Fox, é que são anti-america, pois não fazem rigorosamente nada para que as coisas mudem. Se as músicas aparecem com uma certa mensagem, é um sinal de que as coisas não estão a correr bem. Nos dias que correm, muito dificilmente vês republicanos num concerto de Pennywise, e isso também se notou nas vendas dos discos, mas espero que quando os democratas voltarem ao poder (e isso vai acontecer em breve, espero) essas pessoas reconsiderem e voltem a aparecer.

Mas nestes assuntos controversos, tudo depende muito da forma como dizes as coisas. Os Green Day passam a mesma mensagem em “American Idiot”, mas fazem-no de forma mais soft, e com isso passaram a vender mais. Apesar de eu achar que as pessoas que ouvem os Green Day não ligam muito as letras. No extremo oposto tens os Anti-Flag, que dizem “fuck Bush” 30 vezes em cada três minutos, e assinam por uma major. Nós acreditamos no que dizemos, e já o dizíamos antes de ser cool falar desses assuntos, e vamos continuar com a mesma mensagem. Depois, há sempre que te escute ou não.

Mudando de assunto…

Então? Não queres falar mais dos Anti-Flag?

Eu gosto deles.

Sim, eles são realmente bons, mas não podes ser uma banda punk se gravas por uma major. È uma total contradição, se dizes mal do sistema e fazes parte da engrenagem. È tudo o que tenho a dizer sobre eles.

No tributo a Sublime vocês tocam “Same In The End”. Houve alguma razão em particular para a escolha dessa música?

Participamos nesse tributo porque sempre fomos bons amigos dos Sublime. E quando viemos para a Europa pela primeira vez, há uns 14 anos, passávamos a vida a ouvir Sublime, tínhamos uma cassete do “40oz To Freedom” que tocava constantemente na nossa carrinha. Depois, quando voltamos, começamos a ir aos concertos deles e ficamos amigos. Tínhamos uma tour europeia agendada com eles, por altura do álbum “Sublime”, aliás, já estávamos na Europa a espera deles quando soubemos da morte do Bradley. Custou-nos imenso. Depois, na altura do tributo, decidimos que tínhamos que tocar uma música pelo Bradley, e escolhemos a música com que nos enquadrávamos mais. Gravamo-la em um só take, foi muito fixe.

Vou revelar-te algo que não era suposto saberes, mas vais ser o primeiro a saber: vai sair em breve um novo álbum de Sublime! Deixaram-me tocar numa das músicas, foi muito fixe. Depois queriam que assinasse um contrato para o meu nome aparecer nos créditos, mas eu não quis. Eu sei que sou eu a tocar.

Podemos publicar isto?

Claro, acho que ninguém vos vai ler nos Estados Unidos. (risos) A sério, claro que podem, é uma informação e primeira-mão. Para mim foi uma honra poder tocar nesse disco, participei numa versão dos Falling Idols (banda que o nosso baixista Randy fez parte) que os Sublime costumavam tocar. O Randy também toca nessa música.

E as vozes, são do Bradley?

Todas as músicas que vão entrar neste cd são sobras de estúdio dos Sublime que nunca tinham sido utilizadas. Por isso todas as vozes são do Bradley. E vocês são os primeiros a saber disto, estão a frente da MTV News! (risos)

Qual foi o melhor concerto que já viste?

O melhor? Essa é impossível de responder, e mesmo só contando com aqueles em que estava sóbrio. (risos) Se me tentar lembrar de todos os concertos que vi, devo fazer um buraco no cérebro. Vi grandes concertos dos Crucifix, Zero Boys, Dead Kennedys, Minor Treath… um concerto fantástico com os Descendents, Subhumans e os Black Flag, numa cozinha de uma casa completamente lotada. Os Black Flag tocaram durante três horas, foi o primeiro concerto com o Henry Rollins na banda. Foi muito fixe. Um outro, numa praia, com os Social Distorcion, Circle Jerks, Wasted Youth e TSOL, simplesmente fantástico! Os concertos nos 80´s, principalmente os de Black Flag, Minor Treath e TSOL, eram sempre fabulosos, já não se dão concertos daqueles. Lembro-me de um outro, dos Rage Against The Machine, onde também fazíamos parte do cartaz, que foi de outro mundo. O espaço só tinha capacidade para três mil pessoas, mas pareciam 30 mil!

E hoje em dia, que bandas ouves? E projectos extra-Pennywise, tens alguns?

Das bandas novas gosto dos Love Equals Death, que na gravação não mostram muito, mas ao vivo são realmente bons. O último dos Nofx é muito bom, punk rock da velha guarda e sempre em boa forma. Também acho piada aos Unseen. Fora do punk, gosto do Ice Cube. Gosto muito da forma como ele aborda os mais variados assuntos, da maneira como escreve. As letras dele são fantásticas. Extra Pennywise, toco baixo num projecto que se chama Chaos Delivery Machine, uma cena mais hardcore que Pennywise, e já é possível ouvir no myspace. Também gravei um álbum com outro projecto, mas é algo mais conceptual, muito político e muito rock n´roll, com o Jason (Cruz, dos Strung Out) nas vozes. Também estamos no myspace, o nome é The T4 Project.

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